Vem o Observatório de Violência Obstétrica (OVO PT) enquanto organização de defesa dos direitos das mulheres, exigir a demissão da Ministra da Saúde Ana Paula Martins e manifestar profunda preocupação relativamente ao acesso aos direitos da Saúde Sexual e Reprodutiva da Mulher em Portugal.
Em Agosto de 2024 solicitámos o mesmo, com um comunicado que espelha o desmembramento do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Chegando a Julho de 2025 o país depara-se com casos como o mais recente, onde uma Mulher perde o seu bebé após um périplo de 2 semanas por 5 hospitais da Grande Lisboa e, no penúltimo hospital esta mulher recusa-se a ir para casa. Finalmente, o Hospital de Santa Maria faz a admissão, induzindo o parto, contudo o bebé não resiste. As queixas desta mulher nestas 2 semanas não foram ouvidas, nem acompanhadas - considerando os princípios de acompanhamento de proximidade defendidos pelo OVO, sindicatos, associações e comunidade civil.
Citando a da afirmação da Direcção executiva do SNS: “apurou-se que, em todos os momentos terá sido garantido o acessos aos cuidados de saúde dentro dos parâmetros assistenciais definidos para o atendimento , e que a utente terá sido devidamente referenciada para os serviços de urgência”, o OVO levanta a seguinte questão:
Nos 13 dias, perante as várias queixas, onde foram aplicadas as orientações de acompanhamento de proximidade no âmbito da gravidez?? Sabemos que a mulher em questão era acompanhada no centro de saúde tendo o seu médico de família referenciado para o Hospital de Garcia de Orta, nunca tendo recebido feedback deste pedido, não sendo responsabilidade da mulher. Onde está a articulação da ULS?
Perante a referenciação do Centro de Saúde para o Hospital, quaisquer cuidados de proximidade se perdem, deixando as mulheres dependentes de uma linha telefónica mal estruturada e sem capacidade para garantir a correcta vigilância na gravidez.
O OVO tem estado a par dos vários casos polémicos que, lamentavelmente, são demasiados, para escrutinar em comunicado, contudo, destacamos outra situação inerente às urgências de Lisboa e Vale do Tejo, onde mais uma vez, uma grávida de 31 semanas perde o seu bebé devido à incapacidade dos restantes hospitais da região admitirem a entrada de mais um bebé no serviço de neonatologia, sabendo agora que a Mulher disse que não tinha dinheiro para o táxi para o Hospital de Santa Maria, e que perante isto não foi accionado uma maneira de enviar a ambulância ? só depois e nessa altura já não foi possível ir a esse hospital, tendo sido enviada para o Hospital de Cascais? Falamos de questões de vulnerabilidade que grande parte das mulheres está neste país.
Política de pensos rápidos, e opacidade; entendendo o OVO que a falta de dados concretos que permita à comunidade o entendimento concreto das falhas de extrema gravidade, está inclusivamente ausente do espaço público nos órgãos de comunicação social cada vez mais controlados, que focam falsas soluções pouco evidentes e nada concretas, sem estrutura e planeamento.
O OVO reitera todos os comunicados anteriores de falta de confiança na ministra Ana Paula Martins, acrescentando descrença total no programa do actual governo para resolver os graves problemas que vivemos no SNS, que funciona devido ao exausto e duro trabalho diário dos trabalhadores dos vários sectores que mantêm os serviços em funcionamento. O país necessita rapidamente de recuperar a segurança, a dignidade e a humanidade no SNS! Um sistema nacional de saúde de excelência, qualidade de cuidados de saúde e formação de profissionais, que cuida e acompanha as necessidades da saúde pública de quaisquer pessoas em território português, com elevados e comprovados padrões.
É público que o investimento na saúde privada tem sido uma aposta da actual Ministra da Saúde (MS), assim como o apoio à rede social - congelando quaisquer avanços, como sempre manifestou o actual governo em críticas ao anterior - num desinteresse total e absoluto em investir no SNS, na carreira dos profissionais, nos horários, facilidade de contratação, assim como os seus profissionais que trabalham mais horas do que o humanamente possível, para assegurar os serviços, evitando ao máximo os fechos, com sacrifício das suas vidas pessoais, familiares, e até profissionais.
A estratégia da MS é outra: investir na saúde privada, investir no sector social, com sinais claros e inequívocos de que o SNS é uma “pedra no sapato” deste governo. Criando uma migração massiva dos profissionais, que por não sentirem a valorização das suas carreiras e salários, abandonam o SNS, alimentando a saúde privada que conta no presente momento com uma grande fatia de médicos especialistas, pela ausência de regulação da saúde privada que paga actualmente em Lisboa, salários mais altos do que na zona norte do país (onde essa migração é menos evidente, e onde se verificam menos problemas de encerramento de serviços).
O OVO PT tem a necessidade de esclarecer que a saúde privada pressupõe lucros. Sendo óbvia esta constatação de factos, declaramos que é interesse do SNS um investimento sério que terá como retorno a saúde de toda a população em Portugal, e não apenas de alguns, sendo para esse efeito incontornável o investimento nas carreiras de quem cuida da saúde pública do país.
Verificamos a mais recente demissão do Director do Serviço de Obstetrícia do Hospital de Aveiro, como exemplo claro do que acontece quando os médicos ginecologistas-obstetras se recusaram (em pleno direito) a fazer horas extraordinárias, não sendo garantidas, não permitem cumprir as escalas do serviço. Sabemos que estes profissionais estão no seu limite. A situação é duplamente grave; por um lado a comunidade civil perde no acesso à saúde, e por outro o Ministério da Saúde manifesta desprezo no cuidado dos seus trabalhadores, no caso são médicos, enfermeiros, auxiliares, técnicos qualificados. Todos com enorme prejuízo nas suas vidas pessoais Muitos actualmente a enfrentar cargas horárias superiores 60-100h por semana!
Todas as questões aqui expostas não retratam um problema isolado de um hospital ou de uma gestão. Espelham o falhanço absoluto de um MS, que incumpre aquilo que é exigido a qualquer pasta de governo:a articulação e o respeito pelo trabalho de todas as pessoas que estão no terreno.
Tem o OVO PT, assim como toda a comunidade, por via dos meios de comunicação social que noticiaram as várias situações de conflito criadas pela MS, que demonstram a total falta de capacidade de diálogo e resolução de problemas, tanto com as Direcções Hospitalares, como com o INEM, Sindicatos, Organizações Não Governamentais (onde se inclui o OVO PT), e com a comunidade. Uma arrogância que traz na fatura uma perda significativa, e eventualmente irrecuperável, da saúde de toda a população, que cai em simultâneo com o desmantelamento político do SNS.
O OVO PT exige que o Ministério da Saúde sirva todas as necessidades do País, que tenha autonomia e dedicação em garantir que o SNS estará protegido, com a inabalável convicção da sua importância na democratização do acesso à saúde de todas as pessoas em Portugal.
O Observatório de Violência Obstétrica tem o dever de defender e promover a transparência e protecção à Saúde e, exactamente por esta razão, depois de ampla reflexão, vimos por este meio exigir publicamente a demissão da Ministra da Saúde - Ana Paula Martins, por não estar a conseguir reunir consensos, e por manifestar absoluto desconhecimento sobre como resolver os graves problemas que a saúde enfrenta actualmente em Portugal.
É necessidade do país ter um/a Ministro/a que consiga reunir consensos, que defenda a comunidade, que traga para a mesa a discussão da reformulação das urgências de obstetrícia e ginecologia do país com os demais intervenientes no processo; como médicos, enfermeiros, associações que representam utentes, sindicatos representantes dos profissionais de saúde e a comunidade civil, em vez de investidores de grandes grupos económicos ou entidades religiosas que num estado laico não devem ter espaço de decisão, muito menos de poder.
O OVO PT tem empatia pela complexidade das responsabilidades do Ministério da Saúde, mas não aceita a alienação absoluta das necessidades da população, entendendo-se que os interesses de poderes económicos se sobrepõem aos interesses dos utentes e contribuintes. É absolutamente inaceitável que todos os progressos em negociações e planos de estruturação feitos por governos anteriores de diferentes cores políticas sejam simplesmente descartados de forma irresponsável e demagógica, culpando todos os graves problemas deste SNS continuamente em construção, ao governo anterior, nunca assumindo a responsabilidade de ignorar todo o caminho percorrido até agora.
O orçamento de estado para a saúde em 2025 prevê uma despesa total consolidada de 16.853,5 milhões de euros, o que representa um aumento de 9% em relação à execução estimada até final de 2024. Em comparação com 2015, o orçamento para a saúde aumentou significativamente, reflectindo a necessidade de responder a desafios como o envelhecimento da população e a crescente procura por serviços de saúde. Em 2015, o orçamento do Programa Saúde totalizou 9.830,3 milhões de euros.
Orçamento de Saúde 2025:
- Despesa total: 16.853,5 milhões de euros, segundo o relatório.
- Aumento em relação a 2024: 9%.
- Despesa com pessoal: Prevê-se um aumento de 425 milhões de euros.
- Serviço Nacional de Saúde: Um aumento de 5,7%, totalizando mais 752 milhões de euros.
Orçamento de Saúde 2015:
- Despesa total: 9.830,3 milhões de euros.
- Aumento em relação a 2025: 86%.
Comparativo:
- Em termos nominais, a despesa com pessoal no SNS aumentou 68,1% entre 2015 e 2023, passando de 3.452,6 milhões de euros para 5.803,2 milhões de euros, segundo a Nova School of Business and Economics.
- O aumento da despesa em 2025 é justificado pela necessidade de responder ao aumento de preços e ao envelhecimento da população, entre outros factores.
Ao mesmo tempo em 2024, de acordo com o SNS, gastou-se quase 695 milhões de euros com “tarefeiros” e horas extraordinárias. Segundo o relatório do Conselho das Finanças Públicas , entre as duas rubricas, no total, os profissionais de saúde realizaram mais de 24 milhões de horas de trabalho complementar.
Quer isto dizer que, médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde trabalharam muito para além do que está estipulado no seu contrato, mesmo sendo tarefeiros.
Será responsável tal caminho numa área em que está em causa a saúde dos utentes?
Relativamente à falta de médicos obstetras; a falácia absoluta, uma vez que só depende do Ministério da Saúde, melhorar as condições dos trabalhadores, começando pelos salários.
Temos cerca de 1950 obstetras em Portugal e nascimentos ronda os 85.000, sendo que no ano 2000 eram perto de 1330 com 120 mil nascimentos.
Lisboa e Vale do Tejo tem 3 milhões de pessoas. É a área onde se encontram mais urgências fechadas nos últimos 4 anos, sendo que face a 2023, os fechos aumentaram mais de 40% em 2024 e em 2025 esses fechos estão menos expostos por abandono estratégico do portal na consulta da visão real dos dados, que são cada vez mais escassos, tendo inclusivamente em reunião da comissão da saúde com o OVO PT, uma deputada da AD ter imputado essa responsabilidade ao OVO PT, perante queixas de falta de transparência e auscultação da realidade actual. .
Mais uma vez, o OVO PT volta a deixar algumas ideias, já que até à data o governo não acede aos convites para o diálogar.
- Criação de linha de atendimento directo com os hospitais para onde as grávidas foram referenciadas, para que estas possam contactar em caso de dúvidas ou perante a entrada em trabalho de parto. Sendo que esta linha seria da responsabilidade dos EESMOS do serviço (que teriam a capacidade de fazer imediatamente a pré triagem, encaminhamento para a urgência ou centro de saúde para consultas ou exames previamente marcados pela linha) com suportede médicos Obstetras;
- Sensibilização para a articulação do Centro de Saúde com os Hospitais de Referência, sendo que se uma mulher que não tiverem médico de família atribuído, ao ficar grávida, esta passa imediatamente a ser acompanhada por um EESMO;
- Reconhecimento das valências dos EESMO com implementação de programas que contemplem a sua autonomia;
- Implementação da Norma 01/2023 da DGS referente à Organização dos cuidados de saúde na preconceção, gravidez e puerpério. Sendo que o OVO PT acrescenta que deverá existir articulação entre o Centro de Saúde e a Urgências do Hospital, com a linha criada em cada Hospital;
- Discussão da Rede de Referenciação, que até à data está na inoperacional, tendo a última proposta elaborada pelo Grupo de Trabalho com coordenação do Dr. Diogo Ayres Campos, entregue à DE-SNS em 2023 e que recentemente fez chegar uma outra em Maio de 2025 pela Comissão Nacional da Saúde e da Mulher, da Criança e do Adolescente, liderada por Dr. Alberto Caldas Afonso;
- Implementação obrigatória em todos hospitais públicos e privados de acordo com a Portaria 310/2016 do programa “ObsCare”. Este programa produz, automaticamente, indicadores de produção e de qualidade, os últimos dos quais são disponibilizados mensalmente no seu todo numa página da internet. É prioritária a instalação deste programa em todas as maternidades do SNS e Privados, para melhorar a qualidade e transparência de todos os registos clínicos e informações disponíveis aos profissionais de saúde e utentes, bem como a garantia da qualidade dos indicadores.
Todos estes pontos falam em exclusivo da gravidez e pós parto.
O OVO PT tem em consideração o facto de que não será um mandato a reestruturar todo um sistema de saúde, contudo num registo autoritário, unidireccional, com ausência de diálogo com os diversos intervenientes, sem espaço de voz para as ONG que estão no terreno, desresponsabilizando integralmente a falta de capacidade de resposta do actual governo, que vê como única resposta o outsourcing do SNS, delegando as suas responsabilidades a entidades que visam (como é natural em empresas privadas) o lucro. É intenção do actual governo alimentar quantos grupos económicos da saúde, e religiosos (saúde social) com o dinheiro que deveria estar a ser investido em carreiras no SNS, em capacitação e em resposta aos problemas há tanto apontados pelos vários sindicatos?
Portugal destaca-se no panorama internacional pelas conquistas alcançadas em alguns indicadores de saúde ao longo dos últimos 40 anos, nomeadamente uma das mais baixas taxas de mortalidade perinatal do mundo. Tal realidade apenas foi possível graças à existência de um Serviço Nacional de Saúde forte, que privilegiou, desde sempre, a segurança dos cuidados prestados às grávidas e crianças face ao número de locais.
O OVO PT encontra-se mais uma vez, disponível para ser escutado e envolvido em grupos de trabalho, com vista à defesa da Saúde Sexual e Reprodutiva da Mulher.
Lisboa, 07 de Julho de 2025